1. Introdução
Os enterólitos são formações rígidas que formam-se com base nos minerais presentes na alimentação, água e/ou corpos estranhos, sendo o principal o dióxido de silicone (encontrado em pedras no pasto) que se alojam nos cólons dos equinos. No geral são formados de fosfato de amônia e magnésio (estruvita) (MOTA, NASCIMENTO, ZANDONI; 2016).
O farelo de trigo tem alta correlação, devido sua alta concentração proteica e mineral (magnésio e fósforo), a alfafa também possui alto valor proteico (ultrapassa em até seis vezes a necessidade diária de um equino), dessa forma são alimentos que predispõem a formação de concreções (MOTA, NASCIMENTO, ZANDONI; 2016).
Podem ser únicos ou múltiplos, variando também a forma, entre esféricos e irregulares, sendo que o último causa maiores danos a mucosa intestinal. Há maior casuística relatada é em animais acima de 11 anos, árabes e pôneis, porém todos equinos podem ser acometidos (MOTA, NASCIMENTO, ZANDONI; 2016).
A sintomatologia dependerá da localização (cólon maior, menor ou transverso), forma e tamanho do enterólitos. Os sinais de cólica podem ocorrer de forma recorrente, aguda ou ser assintomático (MOTA, NASCIMENTO, ZANDONI; 2016).
Anamnese: No dia 13 de Junho de 2021 chegou ao Hospital Veterinário Eqüivet uma égua da raça brasileiro de hipismo com histórico de desconforto durante o trabalho, relatando também que anteriormente dois cavalos da mesma propriedade e linhagem apresentaram enterólitos, sendo essa a principal suspeita clínica.
Exame físico na admissão: frequência cardíaca de 44 bpm, frequência respiratória de 26 mrm, Mucosa levemente hiperémica, tempo de preenchimento capilar de 3 segundos, temperatura 37,9°C e ausculta abdominal sem alterações.
Exames complementares: hematócrito (35%); proteína total (7,5 g/dl); lactato venoso (não detectado), análise de líquido peritoneal (coloração amarelada, proteína menor que dois e lactato não detectado); hemogasometria (pH 7,440; PCO2 GLU 37,3; PO2 36; BE 1; HCO3 25,4; TCO2 26 mEq/L; SO2 72; Na 136 mmol/L; K 3,2 mmol/L; ICa 1,60 mmol/L; C 89). OU Hemogasometria venosa (com valores dentro das referências).
Durante a sondagem nasogástrica foi verificado conteúdo estomacal normal, sem presença de refluxo. Na palpação retal foi identificado distensão cecal e compactação. Na ultrassonografia transabdominal não houveram alterações dignas de nota.
Devido aos achados durante a avaliação e a ausência de desconforto abdominal, foi realizado acompanhamento clínico e terapia laxativa para a compactação, associada a terapia procinética para modulação da motilidade intestinal, antibioticoterapia, antiinflamatórios, parassintomimético (betanecol transretal), fluidoterapia, enema, suplemento mineral e vitamínico.
Após o tratamento inicial o animal apresentou melhora clínica, confirmada em uma segunda palpação retal na qual foi observado que o ceco não estava mais distendido nem compactado.
Três dias após admissão no hospital a égua voltou a apresentar desconforto abdominal e irresponsivo a analgesia, dessa forma optou-se pela realização de laparotomia exploratória.
Protocolo anestésico
Como medicação pré anestésica foi utilizado xilazina (0,5 mg/kg/IV) após cinco minutos inicio da indução com eterglicerilguaiacol (miorelaxante de ação central, até início de relaxamento, aproximadamente 250ml da solução). Posteriormente realizada a indução com cetamina (1,5mg/kg/IV), associado a midazolan (0,1mg/kg/IV) e complemento com o miorelaxante.
Manutenção com isoflurano (incialmente O2 há 10 vol.% durante os primeiros 15 minutos, após reduzido para 5 vol.%. Isoflurano há 3%, reduzio-o sucessivamente de acordo com a estabilidade do paciente). Animal mantido em ventilação controlada em volume de 10ml/kg.
Ainda com intuito de promover analgesia e redução da concentração alveolar mínima do halogenado, foi realizado bôlus (1,3mg/kg) e infusão contínua de lidocaína (0,05mg/kg/min.), além de infusão contínua de dobutamina para favorecer a pressão arterial.
Após o tratamento inicial o animal apresentou melhora clínica, confirmada em uma segunda palpação retal na qual foi observado que o ceco não estava mais distendido nem compactado.
Três dias após admissão no hospital a égua voltou a apresentar desconforto abdominal e irresponsivo a analgesia, dessa forma optou-se pela realização de laparotomia exploratória.
Técnica Cirúrgica
Inicialmente foi feita celiotomia pré umbilical afim de explorar a cavidade abdominal. O conteúdo cecal foi aspirado para eliminação de gás, ordenha de intestino delgado no aboral e esvaziamento de cólon através da lavagem via flexura pélvica, com intuído de facilitar a inspeção da cavidade.
Dessa forma foi possível identificar um enterólito de aproximadamente 30 por 20 cm pesando 8,800kg no cólon transverso (Figura 1), através da sondagem pela flexura pélvica foi administrado carboximetilcelulose para favorecer o deslizamento do enterólitos para região de cólon dorsal direito (Figura 2), devido a não exteriorização de cólon transverso.
Figura 1 – Enterólito de 30/20 cm (8,800kg)

Fonte: Acervo pessoal, 2021.
Figura 2 - Enterólito deslocado para cólon maior.

Fonte: Acervo pessoal, 2021.
Após exposição do enterólito, pontos de ancoragem bilateral foram realizados, proteção com plástico estéril de todo o comprimento restante do cólon, oclusão manual do lúmen caudal a ele e seguiu incisão para retirá-lo. Por fim foi feito enterorrafia de ambas incisões através de três planos de sutura (simples contínuo seguido de dois planos invaginantes) seguiu-se a enterorrafia.
Evolução do caso
No pós-operatório o animal iniciou distensão abdominal, desconforto brando intermitente, hipomotilidade, sendo realizada tiflocentese como medida auxiliar, com curto período de melhoria. Dessa forma, após seis dias da primeira cirurgia foi realizada nova celiotomia exploratória.
No segundo procedimento foi realizado incisão paramediana direita. Na inspeção, havia torção de cólon menor, uma drenagem purulenta na face interna da parede abdominal, e área desvitalizada no cólon, provavelmente causada pela passagem do enterólito, sendo essas áreas sepultadas em suturas invaginantes disso. Após resolução dos anteriores foi necessária abertura e lavagem cecal (devido a grande quantidade de conteúdo líquido). Por fim foi instalado um dreno de silicone para lavagem peritoneal.
Na segunda recuperação, foi feito uso de antibioticoterapia (metronidazol), anti-inflamatório (flunixim meglumine), pró-cinético (neostigmina), suplementos vitamínicos (vitamina B1e hemolitan), lavagem peritoneal duas vezes ao dia com gentamicina, metronidazol e DMSO (Figura 3).
Figura 3 – Líquido peritoneal após lavagem via sonda (foto acima no 1° dia de lavagem, abaixo no 3° dia).

Fonte: Acervo pessoal, 2021.
Dois dias após a segunda cirurgia iniciou-se uma possível colite - fezes pastosas com melena (Figura 4).
Figura 4 – Melena.

Fonte: Acervo pessoal, 2021.
Apesar de todos os cuidados ocorreu deiscência dos pontos e retorno aos episódios de desconforto sendo indicada eutanásia.
Discussão
O histórico de animais de mesma linhagem e mesma propriedade com precedente de enterolitíase sugerem uma predisposição genética e confirmam a importância do manejo alimentar e hídrico do local, conforme as pesquisas indicam. A literatura relata a possibilidade de cólica pós-cirúrgica de retirada de enterólito, cerca de 2 a 3 meses, por prováveis aderências. No caso os sinais foram com menor intervalo de tempo (3 dias). As complicações pós-cirúrgicas foram compatíveis com os estudos (aderência, peritonite, colite) (LEITE et. al., 2015).
Conclusão
Os enterólitos são importantíssimas alterações que podem ser minimizadas realizando correta alimentação, programa de exercício, limpeza de estabelecimento (retirada dos corpos estranhos), análise e correção da água ingerida pelo animal, além da conscientização do proprietário orientando-o sobre pesquisar o histórico do animal para adotar os devidos cuidados (LEITE et. al., 2015; MOTA, NASCIMENTO, ZANDONI; 2016).
Referências
MOTA R. G., NASCIMENTO E. E., ZANDONAI R. G. Formação de enterólito em cólon menor de equino a partir de fragmentos de cochos de concreto e pedra britada: Relato de caso. Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. v.10, n.11, p.835-838, Nov., 2016.
LEITE, C. T. et. al. Enterolitíase equina. Ciência Animal 25 (2): 60-70, 2015.
Rascunho
Rouff, A. A., Lager, G. A., Arrue, D., & Jaynes, J. (2018). Trace elements in struvite equine enteroliths: Concentration, speciation and influence of diet. Journal of Trace Elements in Medicine and Biology, 45, 23–30. doi:10.1016/j.jtemb.2017.09.019
Pierce, R. L., Fischer, A. T., Rohrbach, B. W., & Klohnen, A. (2010). Postoperative Complications and Survival after Enterolith Removal from the Ascending or Descending Colon in Horses. Veterinary Surgery, 39(5), 609–615. doi:10.1111/j.1532-950x.2010.00647.x
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